domingo, 12 de julho de 2015

O abraço-açu na alma do Barretão

Pouca saúde e muita saúva,
Os males do Brasil são!
Mario de Andrade em:“Macunaima"

Expedito tinha obstrução respiratória e pressa. Aos quarenta e poucos anos era procedente de São Miguel do Guamá, na Belém-Brasília, logo depois da forquilha com a Pará-Maranhão. Durante três horas de viagem agonizante, com a sirene da ambulância afônica, suportou a respiração estridente e a vida no ponteiro do relógio, até chegar ao Barretão.
Logo foi submetido à endoscopia: obstrução abaixo do pomo. Era tumoral e o ar passava por uma fresta pouco mais larga que o buraco da agulha de crochê. Passou direto para sala de cirurgia; o anestesiologista sofreu para garantir a oxigenação até iniciar a operação. Então o pescoço foi abordado e extirpada a moléstia com parte da traqueia. O paciente foi para o CTI e a peça operatória para exame. Câncer, segundo o laudo, cujas beiradas não havia doença. Curado e ponto final.
No outro dia, desperto, com fôlego renovado e, mais que isso, emocionado com a segunda chance de nascer, Expedito gostaria de dar um forte abraço na equipe, ou melhor, um abraço-açu (Açu é radical de origem tupi com função adjetiva; significa grande e surge em palavras compostas, como Igarapé-açu).
Disseram-lhe para transferir o abraço ao Barretão, que passa por momento difícil. Este é apelido carinhoso que estudantes e residentes cunharam no hospital Barros Barreto, posse da UFPA. É um gigante que nasceu nos idos de 1950/60, inicialmente como sanatório de tuberculosos, depois o governo o transformou em hospital geral, porém ao longo dos últimos anos vem sofrendo bombardeio administrativo e escasseando tudo, até luz. Lá se trabalha na penumbra do progresso, apesar de muros e portões de academia.
Expedito, tão logo que caminhou foi bater na diretoria, mas deu com a mesa vazia. O diretor estava lá fora, à sombra de um Ipê, ao lado de dezenas de pessoas que se mostravam amigos do hospital, organizando um abraço de ressurreição. Expedito se enfronhou entre os demais e, de pijama e uma gargantilha de curativo, abraçou o Barretão como promessa de ter obtido aquela glória. Naquele momento o antigo sanatório sofria um simbólico abraço-açu de todos, porque sabiam que o hospital estava preste a atravessar a rua. O abraço-amigo puxou-o do sepultamento condoído. O gigante vai se reerguer, todos inflamavam numa só voz.
Naquele mesmo momento estava dando na difusora que o INCA, um dos maiores centro de câncer do Brasil, no Rio de Janeiro, estava na mesma penúria. Percebe-se que, diante do descaso com hospitais públicos, o Barretão é mais um que tomba no silêncio funesto da saúde pública pantominada.
Por sua vez, no coração do CTI, um residente tentava realizar um procedimento cirúrgico, à beira do leito, sem dar conta do acontecimento simbólico repleto de holofotes e mídia, que ocorria lá fora. No final perguntaram a ele porque não esteve no abraço - sob pena de ser punido. Respondeu: "nessa hora eu ‘tava procurando foco cirúrgico pra realizar uma drenagem torácica na UTI". 
Resposta tão silenciosa quanto o pisar de um Brontossaurus. Interromperam a punição e tiveram pejo de saber se ele havia operado à luz de vela. 
Se Expedito abraçou por fora e aquele residente abraçou por dentro, pois certamente foram os abraços dos mais afetuosos que o Barretão albergou. Ele vai se reeguer, ele tem alma...

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