domingo, 14 de setembro de 2014

Nossas urgências não cabem nas urnas

Ideias que poderiam ser obvias terminam por ser surpreendentes conforme a conjuntura. Viver a despeito das exigências de determinados mercados, por exemplo, pode ser uma atitude quase revolucionária. Quando a Espanha passou a contabilizar uma média de 600 feiras de “escambo” em 2012, uma prática que não ultrapassava algumas dezenas em 2007, foi um sinal de que a população poderia, sim, caminhar por outros rumos, ainda que tidos como primitivos – definir a prática como escambo é bem simbólico. A crise econômica parece que falou mais alto...

Lembrei disto quando me deparei com a iniciativa do cabeleireiro Cássius Martins. Não me aprofundei nos detalhes do processo, mas como freqüento o salão dele em Belém, ainda que nos meus raros momentos de desejo de embelezamento, e como acompanho o trabalho dele pelas redes sociais, soube que ele está engajadíssimo numa campanha de doação de cabelos para uma organização não-governamental que elabora perucas para pessoas que sofrem o dramático escalpelamento na Amazônia paraense. Como não nos ocorreu essa ideia antes? E outros salões, será que estão ligados nessa “linha de produção” aparentemente tão simples? Imagine a quantidade de cabelo que não se joga fora todos os dias em um salão de beleza? Minha filha resolveu deixar o cabelo ficar bem comprido. É muito comum aqui em Buenos Aires entre as crianças e acredito que ela aderiu à preferência depois de viver comigo aqui por dois anos. Já comecei a dizer pra ela que, quando tiver vontade de fazer um corte bem lindo no cabelo, que me avise, porque vamos fazer parte da lista de doadoras!

Mas não fico por aqui, não. Essa semana, vi uma amiga, a Bruna Guerreiro, divulgar uma campanha feita por fotógrafos de casamentos que, em Belo Horizonte, passaram a divulgar o trabalho de coleta das flores decorativas usadas no festejo para doarem a casas de idosos. Quanta ternura nesse gesto! Fiquei emocionada, devo admitir. Tratei de avisar à minha amiga mineira Élida Ramirez, porque eu não podia deixar de colaborar de alguma maneira com a iniciativa. E, vejam bem, deixo claro que a sensibilidade da Bruna para difundir tal proposta não deve passar por perto de um sentimento de fé cristã. Ela sempre deixou claro que é atéia. Isso, pra mim, torna essa rede de apoios ainda mais bela, sabem? Me faz crer que não dependemos pura e simplesmente de uma doutrina divina para apostar numa sociedade melhor, sem pieguismos ou esmolas, que tantas vezes humilham mais que verdadeiramente fazem alguém feliz.

Aqui em Buenos Aires há uma iniciativa que encontrou certa adesão, o chamado “Café Pendiente”. Pequenos bares e cafés, que a cidade tem aos montes, oferecem a oportunidade ao cliente de deixar um café pago para que seja dado a algum indigente que chegue a qualquer momento para pedir algo que lhe esquente o estômago. Tem seu valor. É uma parceria feita entre desconhecidos e um paliativo bem-vindo.

Que se multipliquem as iniciativas por um novo mundo! Aludindo à campanha de colegas durante este ano de eleições no Brasil, digo que, sim: nossas urgências não cabem nas urnas.

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