segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Desassossego

Com alguma surpresa de quem me escuta,
desde há algum tempo venho a dizer que cada vez
me interessa falar menos de literatura
José Saramago em: Da estátua à Pedra (Edufpa, 2013).


Ontem conheci a espanhola Maria Pilar Del Rio (foto ao lado). Lembrarei eternamente daquele aperto de mão, do olhar franzino, de algumas poucas palavras, assim como a digital do encontro. Ela nada se lembrará a partir da manhã seguinte, mas isso pouco importa. Não me incomoda em nada. Pilar é mulher-mundo do mago da literatura: Saramago. Eu sou apenas um rapaz latino americano vindo do interior...
Aliás, todos vêem o pulsar nítido que Pilar nasceu para Saramago. Eram como xifópagos ibéricos. Aliás, não eram: são. Desde a sua morte em 2010, Pilar vive feito nômade pelo planeta terra, divulgando e zelando pela pedra saramaguiana até fazer uma paragem por aqui.
Pilar tem a humildade no olhar, no sorriso, nas roupas, nos gestos, nas palavras e... no coração. Aceitou a publicação de duas obras inéditas do José (como se refere a Saramago) no Brasil. Ela escolheu a editora da UFPA, Edufpa, num projeto arrojado entre a própria UFPA e a Fundação José Saramago. Simone Neno, a diretora da Edufpa, foi bater na Casa dos Bicos, em Lisboa, para pedir a publicação. Como se não bastasse ter Benedito Nunes, agora a editora navegou em transatlântico e foi bater nas terras de Baltazar e Padre Bartolomeu. Foram seis meses de trocas de emeios até se chegar ao fatídico 30 de agosto de 2013, data da publicação de “Da estátua à Pedra e discursos de Estocolmo” e “ Democracia e Universidade”, no Centro de Eventos Benedito Nunes, da Universidade Federal do Pará. Quem me narra essa história, com detalhes, é a própria diretora; lê-se também na revista “Bravo”, em sua última e histórica publicação.
Já comecei a degustar o primeiro livro. O segundo, “Universidade e Democracia” deixo pro fim, como se fosse meia cuia de açaí na sobremesa. Deixo pra depois porque não imagino como um homem que não fez carreira universitária - e política- pôde escrever sobre a Universidade. É como se estivesse do lado de fora do muro que cerca o liceu e, de tanto enxergar as edificações e os movimentos acadêmicos acaba sendo parte dele. Deve ser provocador, mas também delicioso, se vindo de Saramago. Ele já fez isso outras vezes, quando, por exemplo, escreveu o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, do lado de fora das catedrais, olhando de soslaio para a bíblia.
Também fui ao lançamento. Chamou-me atenção o pensar de Maria Pilar no discurso intitulado "Saramago por Saramago". É nítido o compromisso com a alma do escritor. Quase físico. Ela foi mais além. Elogiou não só trabalho gráfico, assim como a ambientação do lançamento dos livros. Realmente, ao olharmos no entorno, não há propaganda da Edufpa, nem do livro, somente da estátua viva de Saramago. A mídia se volta para a sua aura repleta de provocação, como nos dizeres ao fundo do palco: “Que temos feito de nosso sentido crítico, da nossa existência ética, da nossa dignidade de seres pensantes? Cada um dê sua resposta...”
Na realidade, mais que provocação, Saramago é puro desassossego.

3 comentários:

Erika Morhy disse...

colega, não imaginas como eu gostaria de escutá-la... uma relação unilateral de amor que começou logo que cheguei a Buenos Aires, há quase dois anos, quando assisti o documentário José y Pilar. Lindo de viver! Que bom que estiveste aí ;-)

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Erika, Eu soube, por caminhos de além-guamá, que Pilar acessou ao nosso blog para ler este texto. Tem mais, ela ainda autografou o "Da estátua à pedra" como forma de comprovar o tal acesso. Por enquanto não tenho como provar, ou melhor, só quando o livro chegar, mas isso deve demorar...

Erika Morhy disse...

Uau! Que fantástico! Un saludo, compa!