sábado, 27 de outubro de 2012

Receitas democráticas

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Hoje, reivindicações do povo grego ameaçam a quebra do sistema democrático de seu país, na dureza da crise econômica. A perspectiva é ruim, ante a ameaça ditatorial na terra na qual a palavra democracia nasceu. A Síria vive o oposto, com violências para sustentar, pelas armas, o poder central dominante. São fatos desagradáveis, mas de todos os tempos.
A Atenas de Péricles e Aspásia, 400 anos antes de Cristo, brilhou entre as cidades-estado. Tinha elite minoritária (políticos, religiosos e militares) que decidia, democraticamente, mas no debate entre os iguais. A maioria numérica não governava. Escravos compunham boa parte dos habitantes. Ainda assim foi o exemplo do exame dos interesses gerais, pelos criadores do termo em que "demo" é povo e "cracia" é poder ou governo. Na realidade de seu tempo, afirmaram a liberdade para reivindicar o exercício do direito de todos, atentos à convicção coletiva na defesa de seus interesses.
A rememoração da história leva a pensar que, por ser difícil de atingir e manter, a democracia e sua continuidade tendem a encontrar resistências, mas cabe enfrentá-las com a consciência da liberdade preservada pelo direito. Aqui não temos os bilhões de habitantes da China, com ditadura e progresso material, ou da Índia, com indústria moderna ao lado de costumes tradicionais, castas e animais sagrados.
Períodos ocasionais de maior liberdade de escolha acontecem na dinâmica das existências nacionais. Permanência ampla e duradoura da liberdade na tomada das decisões impõe atenção aos democratas, para assegurar o funcionamento das instituições e a plena liberdade de escolha de governantes, substituídos em espaços temporais certos. Lembremos que a democracia estadunidense, mesmo depois da independência, teve quantidade crescente de escravos, comprados ou presos na África, em empreendimentos marítimos e financeiros de grande vulto. Idem para nosso país: muitas de nossas figuras históricas tinham escravos. Recentemente, o leste da Alemanha levava o nome de República Democrática, sendo infiel a esta denominação.
Exemplo de vida democrática é o Brasil de hoje. Tem defeitos, mas exibe instituições escolhidas pelo povo em eleições livres. O exemplo da campanha do segundo turno está aí, para marcar o caminho do futuro. Em mais da metade dos lares, o homem não é mais o controlador exclusivo da sociedade conjugal. Aqui, um torneiro mecânico de restrita cultura formal foi bem-sucedido presidente da República, eleito pelo povo. Um negro presidirá o Supremo Tribunal Federal, nicho sacrossanto da elite jurídica deste país, sem perder para ninguém em matéria de qualidade, com bela participação das mulheres, uma delas presidindo as eleições.
Grande parte da população mundial vive sob ditadores. Outras se ligam a organismos religiosos, nos quais a mulher é um ser de segunda classe. Milhões e milhões de pessoas não têm o suficiente para comer nem o grau de conforto necessário. Nesse quadro o Brasil vive a experiência do voto, depois de consolidar a ocupação integral do território no século passado. É o espaço do povo a repercutir, com força, no planeta. Na imprensa mundial, já repercutiu. A receita de democracia está fazendo bem à nação.

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Walter Ceneviva

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