quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

NÃO


NÃO


Roger Normando



Não olhe pros meus olhim

não mano que eu desfaleço […]

que eu amo como as galças, guarás e corredeiras

deste um nosso cartão postal

Pará gente estrangeira […]


não venha de surpresa

nem mande aí meu amigo

aviso na flecha do vento […]
não toque nos meus guardados

não corra a mão traquina […]

(Ronaldo Silva e
Walter Freitas em: Bichim, do CD Farois)



Desde quando
começou esse “pega” para dividir o Pará, de imediato me deu uma cuíra de
escrever sobre essa ladainha que, a cada dia, aqui-e-ali ressurge numa
discussão sobre o que é melhor (ou pior...). Na televisão, nem se fala. Parece até
que Belém é Berlim dos tempos de guerra e a Terra firme é o Alemão dos tempos
de Caveirão. A discussão tomou um rumo que mais beira revanchismo a propriamente
uma discussão multicultural ou até mesmo geopolítica. O cidadão desavisado vai
ficar parece cego em tiroteio: não sabe para onde atirar, ou melhor, para onde
destinar seu voto.


Entretanto o
que mais me dói é ver políticos falando asneiras sobre as regiões mais longínquas
das terras papa-chibés. Até parece que eles acham que nós, aqui da capital,
somos um bando de ocidentais desavisados que acabou de chegar morcegando a nau
de Cabral. Fala-se em dinheiro com tanta promiscuidade, como se o vil metal já tufasse
no bolso de cada um. “Valha-me Deus! Te acelera Celestino”, como canta o Paulo
André Barata.


Eu já tive a
grande felicidade de trabalhar no Hospital Regional de Santarém entre 2008 e
2009. Lá vi coisas maravilhosas que me davam prazer de operar pulmão. Introduzimos
a cirurgia torácica de alta complexidade pelo SUS, realizando operações até com
mais seguranças, se compararmos alguns hospitais públicos de Belém. Desde bons
anestesiologistas a médicos intensivistas, o Regional dispunha. Também tem neurocirurgia,
oncologia cirúrgica; Só não tem Cirurgia Cardiovascular. Os instrumentais cirúrgicos
são apropriados; o armário de videocirurgia é de dar inveja em qualquer
hospital público do Brasil. É certo que algumas coisas precisavam (ou ainda
precisam) ser azeitadas, pois ainda é começo. Daí me vem um político falar na
televisão alardeando que lá não tem condição. “Peraí!!!” Menos, Sr. Fanfarrão.


Voto NÃO. Mas
voto antes da Fafá, Dira e Ganso. Voto por causa do Walter Freitas e do Ronaldo
Silva. Este um foi meu velho parceiro dos tempos de noitadas no “Porta de Casa”
e, por aí, com o Baldez. Uma vez esses dois, Ronaldo e Walter-Cantor,
escreveram um troço sobre o Pará que ninguém percebeu, mas carrega a verdadeira
poesia do NÃO ao divisionismo. Até acho mais bela que a poesia do Ruy Barata
quando diz, em Porto Caribe: “Eu sou de um país que se Pará, que tem no Caribe
seu porto de mar”. “Bichim”, essa que tanto celebro cuja parte da gigantesca
letra está na epígrafe, supera a dos Baratas pelo veneno crotálico na ponta da
flecha: “não toque nos meus guardados; não
corra a mão traquina”. Com um vocabulário marajoara (terra de Ronaldo) apimentado
e texturizado que muito se aproxima a Dalcídio Jurandir (também marajoara), a
cantiga é uma cacholeta na orelha esquerda dos patriotistas divisionistas que
querem se apropriar da história dos cabanos.


Ouçam “Bichim” e não arredem os pés de seus
ideais. Também se segurem na cadeira para não sair dançando por aí, pois, além
do vocabulário dalcidiano, existe esse efeito colateral.


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