terça-feira, 27 de outubro de 2009

Distorção e afogadilho

O Conselho Nacional de Justiça estabeleceu uma série de metas para melhorar os serviços judiciários. São dez metas, das quais uma das mais importantes, atualmente em andamento, é a chamada Meta 2, cuja finalidade é julgar todos os processos pendentes que tenham sido distribuídos até 31 de dezembro de 2005, seja nas varas, nos tribunais estaduais e regionais ou nas cortes superiores.

A iniciativa é louvável, mas, como tudo que ocorre por aqui, começa a sofrer distorções. Em se tratando de processos judiciais, o assunto torna-se muito sério.

Fato é que, outro dia, recebi uma publicação muito estranha: um processo de meu escritório havia sido extinto, por suposto desinteresse do autor, meu cliente.

Estranhei porque, no caso concreto, a sentença já havia sido publicada a favor do meu constituinte, a parte contrária havia apelado da decisão ao Tribunal de Justiça e tudo o que faltava ocorrer era o juiz da causa abrir prazo para que eu pudesse me manifestar sobre o recurso.

O Código de Processo Civil estabelece que, em casos em que o autor deixa de promover determinadas diligências que a ele cumpre realizar, o processo deve ser extinto, ultrapassado determinado prazo, por estar caracterizada a desídia da parte.

No entanto, considerando a exigência da Meta 2, o juiz simplesmente afirmou que meu desinteresse pela causa estava motivado, porque o processo estaria parado há mais de 6 meses – quando a providência a ser tomada era do próprio juiz! Deste modo, sentenciou o processo extinguindo-o sem julgamento de mérito, por suposto desinteresse do autor.

Não bastasse o absurdo de imputar à parte a responsabilidade de exigir que o juiz realizasse seu trabalho – o que, neste caso específico, limitava-se a um despacho de mero expediente, sem cunho decisório e simplesmente voltado a dar andamento ao processo –, há uma verdadeira aberração técnica na postura do magistrado: todo estudante de direito sabe que é um pecado mortal para qualquer juiz ressentenciar um processo que ele já havia julgado antes.

Pelas queixas que são ouvidas nos corredores do fórum, o problema está se espalhando de modo viral. Com a aproximação do final do ano, então, a tendência é que tudo piore.

A OAB precisa estar atenta à questão. Na verdade, longe de resolver os conflitos, o que o Judiciário está fazendo é maquiar a verdade.

4 comentários:

Anônimo disse...

desculpem fugir do assunto, mas já conhecem o jaderbarbalho.com ?

olhem a parte "trajetória". bem campanhesca

Francisco Rocha Junior disse...

Obrigado, das 14:27. A dica já foi pra ribalta.

Yúdice Andrade disse...

Então, que tal esta: um amigo advogado passou pela mesma coisa (extinção de um processo por suposto desinteresse da parte). Só que além de o feito já ter sido sentenciado, já havia o trânsito em julgado e o meu amigo patrocinava a parte vencedora! Que tal? Ah, sim, o caso ocorreu aqui em Belém, onde, segundo se supõe, o controle e a infraestrutura são melhores.
Outro amigo, que escutava a conversa e conhece o assunto por dentro, informou que, nas comarcas do interior, é muito comum as certidões (p. ex., de trânsito em julgado) ficarem guardadas em pastas, em vez de serem juntadas aos autos. Com isso, o juiz acaba errando - embora esse erro pudesse ser evitado se o magistrado... lesse os autos antes de decidir o que fazer.
Já dizia o grande Renato Russo: Este é o nosso mundo. O que é demais nunca é o bastante...

Francisco Rocha Junior disse...

Para piorar, os exemplos são muitos, amigo. Faça uma ideia das monstruosidades - ou teratologias, como gostam de dizer os operadores do direito - que estão acontecendo por aí (e por aqui).
Quando chegar o final do ano, os magistrados dirão orgulhosamente que atingiram a Meta 2, quando isto será falso: a grande maioria das ações estará em grau de apelação, para revisão das extinções absurdas, ou será reajuizada, gerando novos processos.
E assim caminha a humanidade.