quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Humanização já!

O artigo de Gui é fantástico! Como médico, coro em ouvir relatos cada vez mais frequentes do cenário excepcionalmente realista que Ari narra em seu esplêndido e oportuno texto "Exercício sobre o exercício da Medicina".

E falo de uma Medicina com letra capital mesmo! Que se perde a cada dia enovelada em títulos, cursos de imersão, tabelas de evidências, etc. Não que cada um destes elementos estejam desprovidos de importância. Mas que de nada adiantam sem sólida formação humanística e sensibilidade no trato com seres humanos.

Contudo, os anos passam e os atores tendem a culpar suas próprias descobertas - a princípio criadas para trazer-lhes facilidades - pela perda de qualidade de serviços antes prestados com maior intimidade, como se a cada avanço, um pouco do que existia até então, perdesse um pouco de sua mágica. Aos avanços chamamos de tecnologia. Foi assim com o rádio, com a televisão, com o VHS, depois com o DVD e agora, e em paralelo, com os computadores e com a internet.

Ah! O homem. Este bicho complexo e contraditório.

Mas eu perguntaria: humanismo se ensina nas escolas médicas? A mera introdução de disciplinas ditas humanísticas nas escolas médicas mudariam este cenário? Não seria isso mais uma simplificação, das inúmeras que nos cercam no correr do tempo? E que a esmagadora maioria dos médicos costuma abraçar com facilidade?
O que é mais importante para fazer o homem entender que avanços não excluem a boa educação, a sensibilidade, o bom trato com o semelhante?
Sinceramente, neste particular, acho que tecnologia não é a causa que leva o médico a deixar de olhar a cara do paciente para olhar para o PC. Ela quase que parece surgir como um subterfúgio, um ansiosamente esperado "bode expiatório", para justificar um processo de desintegração mais profundo, com raízes ainda não totalmente compreendidas, talvez com origens mais socio-políticas. Quem sabe entranhadas no ensino fundamental? Ou no hinterland doméstico?

Nada de científico existe em minha opinião. Reflete exclusivamente um senso comum que surge da leitura de incontáveis livros e publicações médicas, bem como de incontáveis publicações na área de informática e tecnologia, bem como de livros comuns, densos, ou romanticamente simplórios.
Comungo com Ari da mesmíssima ansiedade. Angústia de ver colegas, a cada dia agravando velhos problemas, ampliados a enésima potência, aos quase 3000 ghz de velocidade de um moderno processador. Se o disco rígido (memória não desprezível) não é rico em informações, de nada adianta o processador e um moderno sistema operacional.
O pior, é que tudo isto, você pode sim encontrar ali na esquina. Numa simplória livraria de cimento e tijolo.

3 comentários:

Itajaí disse...

A questão da tecnologia no ofício médico é das mais atuais em razão dos crescentes avanços tecnológicos que o chamado complexo industrial da saúde disponibiliza mês a mês, ano a ano para os profissionais da área.
O problema é que os médicos entram indefesos nesse processo, pois não tiveram formação acadêmica - na graduação e na pós-graduação - que lhes permitisse discernir alguns riscos do imperativo tecnologógico, a que estão expostos.
Por exemplo, pouquíssimos médicos sabem utilizar a medicina baseada em evidências e interpretar nos ensaios clínicos randomizados controlados - o maior nível de evidência científica - se uma tecnologia (medicamento, procedimento, equipamento - as tecnologias duras)é de fato custo-efetiva, ou seja, se o uso dela de fato oferece ganho real para a prática médica e para o paciente, ou se é mais um botãozinho luminoso no equipamento, que duplica o valor dele e, por conseqüência o custo do serviço prestado.
Nesse tocante, mais raro ainda é que profissionais médicos entendam da avaliação econômica, do impacto na qualidade de vida e na eqüidade que uma tecnologia propicia no campo da saúde pública. Mas, isto é outra conversa, ainda que parte desta.
Então tem-se muito a modificar, para que nós saibamos discernir se o ganho incremental de uma tecnologia (é apenas isto que a imensa maioria delas oferece)se traduz em melhorias na vida dos pacientes, da sociedade, e, por conseguinte, na prática profissional. Quando articularmos essas ferramentas ao resgate da humanização da prática médica aí então estaremos resolvendo o problema.
Abraços aos dois.

Yúdice Andrade disse...

Durante o tempo em que fui advogado do Sindicato dos Médicos, tive umas tantas oportunidades de conversar com eles, em particular, ou até mesmo em palestras, sobre questões que desembocam num tema hoje muito em voga no âmbito acadêmico: o aspecto humano da Medicina.
Falando assim, parece até tautológico, mas eu, que na relação médico-paciente sou o lado mais fraco, sou testemunha de que muitos agem como se não lidassem com seres humanos! Inacreditável, porém verdadeiro.
Sempre disse aos profissionais com que conversei que o número de acusações de erro médico está em relação inversamente proporcional ao grau de confiança entre os envolvidos, que só se obtém por meio de conversas francas, orientação detalhada e paciência.
Fica o meu registro e minhas felicitações pelo tema.

Carlos Barretto  disse...

É isso aí mesmo, Yúdice. E vc confirma aquilo que eu já há muito tempo imaginava.
Há cerca de 15 anos atrás, lendo um famoso tratado da especialidade que abracei, no capítulo Questões Éticas e Legais, lia no caput do texto:
"Perda da relação médico-paciente: o início do processo ético profissional (PEP)".
Alguns livros texto da profissão, falam e alertam claramente para o assunto. Mas ps médicos, ansiosos por informações ditas técnicas, pressionados pela grande concorrência num mercado onde só sobrevivem os mais estudiosos, simplesmente não lêem. Acham que são questões que frequentemente, são denominadas por eles como "filosóficas", Uma terrível simplificação entre as muitas que os envolvem. Mas quando surge o PEP, surpreendidos, começam a entender da pior maneira aquilo que por definição, faz parte da medicina. Sempre esteve com ela intimamente agregada. Conceitualmente amarrada. Cai a arrogância, as máscaras de semi-deuses e vem o pânico infantil.
É o tal do "blá,blá,blá", que lhes faltou no passado.
Abs