sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Banda Larga: sem motivos para entusiasmo

Comentarista anônimo do Flanar, que prefere identificar-se como profissional da área de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicações), em um longo texto, faz uma análise sobre a questão da banda larga no Brasil, comentando a entrevista com o deputado federal Vic Pires Franco no post Vic e a banda larga.
Pela excelente qualidade da análise - onde inclusive considera aspectos históricos - e pelo fato de ser profissional de TI, publicamos a íntegra para que todos possam acompanhar e contribuir para a discussão. Seria interessante que os leitores como usuários finais destes serviços, (não necessariamente profissionais da área) também aproveitassem o momento para dar seus depoimentos sobre como avaliam sua qualidade e preço. Quem sabe não contribuímos para forçar medidas reguladoras cabíveis a um serviço que vez por outra parece estar correndo livre, leve e solto. Agradeço ao comentarista pela excelente contribuição.

Parabenizo o deputado pela postura coerente com relação a “Lei Azeredo”!
Gostaria de colaborar na discussão principalmente com relação as perspectivas futuras do serviço do acesso a Internet em banda larga no Brasil. Infelizmente não vejo um futuro livre dos já conhecidos problemas que nos afligem hoje. Mesmo com o advento do WiMAX.

Essa avaliação baseia-se na constatação de que a Anatel enfraqueceu-se ao longo de sua existência e não conseguiu acompanhar a evolução do setor ou desempenhar adequadamente o seu papel.

No mercado de provimento de acesso a Internet, principalmente em banda larga, hoje praticamente não existe concorrência. O serviço é explorado de forma concentrada por algumas poucas empresas que fatiaram o território nacional e que exploram essas regiões com exclusividade sem nem mesmo concorrerem entre si.

Um pouco de história nos ajudará a compreender melhor como chegamos até aqui.

A regulamentação do setor de Internet no Brasil foi concebida originalmente de forma a estimular a livre concorrência e a permitir o acesso de todos a esse mercado, seja como consumidor ou prestador de serviços. E foi exatamente o que aconteceu. Estamos falando do ano de 1995.

A partir do momento em que foi permitida a exploração comercial do acesso a Internet várias empresas ingressaram no setor e isso se traduziu em diversidade de opções, serviços e melhores preços para o consumidor.

Esse esforço inicial de regulamentação nos livrou inclusive de uma famigerada "Internetbrás". Naquela época havia a intenção por parte da Embratel (ainda empresa estatal) de possuir exclusividade para explorar o serviço de acesso a Internet no Brasil. Toda a articulação nesse sentido foi prontamente rechaçada. Em grande parte devemos isso a postura firme do nosso saudoso ministro Sérgio Mota.

Pois bem. Com o passar do tempo novas tecnologias foram sendo desenvolvidas e adotadas. Foi possível obter mais qualidade, velocidade e estabilidade nas conexões com a Internet. Mesmo com as operadoras de telefônicas ainda aplicando um modelo de tarifação dispendioso para o usuário (um modelo adequado ao tráfego de voz) não foi possível deter o avanço da adoção dessa tecnologia no país.

Acompanhamos então a digitalização das redes de telefonia. Vimos surgir, tardiamente por aqui, a primeira modalidade de acesso em banda larga com uma tecnologia chamada ISDN, ou RDSI no Brasil.

Até esse momento havia um número considerável de empresas prestadoras de serviços de acesso dispostas a concorrer por cada fatia do mercado. E isso se traduzia em vantagens e qualidade para todos. Mas com o passar do tempo algumas mudanças produziram a redução drástica da concorrência no setor.

Aumentou o interesse das operadoras de telefonia em explorar o serviço de provimento de acesso a Internet inclusive com a venda do acesso diretamente ao usuário final. Elas começaram trabalhar então para tirar os provedores tradicionais do seu caminho. A Anatel não conseguiu acompanhar o ritmo da mudança e nem mesmo controlar essas articulações das operadoras.

A figura do provedor como conhecíamos, aquele que comprava da operadora conectividade no atacado para vendê-la depois no varejo agregando valor e prestando bons erviços (e que trazia equilíbrio ao mercado) foi praticamente extinta.

As armas usadas pelas operadoras para alcançar seus objetivos foram o uso de práticas desleais de concorrência.

Por exemplo, algumas empresas foram criadas para exploração do serviço de provedor de acesso a Internet mas com as operadoras possuindo participação societária. As operadoras passaram a investir grandes quantias de dinheiro na estruturação desses provedores e a praticar preços diferenciados na venda da conectividade no atacado (insumo fundamental ao provimento de acesso) para eles. Isso quando realmente cobravam a conta. Não tardou até que houvesse uma quebradeira geral e a Anatel apenas assistiu a tudo isso.

Hoje em função de algumas características técnicas relacionadas as tecnologias conhecidas como xDSL (produtos: Velox, Speedy, BR Turbo) as operadoras não precisam mais recorrer aos ardis do passado. Elas encontraram uma forma de vender o acesso diretamente ao consumidor final desrespeitando a legislação vigente.

Encontraram a maneira de fazer isso legalmente embutindo a cobrança na conta do telefone. Os vilões aos olhos do consumidor passaram então a serem os últimos provedores que ainda resistem. Logo essas empresas, diretamente responsáveis pela construção, sustentação e pela popularização de todo o serviço de acesso a Internet no Brasil.

Mais um exemplo de profunda distorção, a operadora sabe que pode prover o acesso através do xDSL sem a necessidade da participação do provedor e a Anatel também sabe disso, mas nada é feito para mudar esse cenário. O consumidor paga duas vezes pelo serviço e a operadora também recebe em dobro.

Espera aí, você deve estar se perguntando, como a operadora recebe em dobro? Eu explico.

A figura do provedor continua existindo possivelmente para servir de muro de proteção entre a operadora e o consumidor final do acesso a Internet e como fonte de receita dobrada para as operadoras. Elas encontraram uma maneira de cobrar pelo acesso ao usuário final (através da conta do telefone) e também ao provedor de acesso convencional. Sim um provedor paga para a operadora por cada usuário do serviço de banda larga xDSL. Ele está pagando para a operadora tirar o seu próprio cliente.

Isso porque praticamente não há lucro para o provedor na venda de uma assinatura de acesso em banda larga xDSL. O valor pago pelo usuário de Internet ao provedor é praticamente todo repassado para a operadora e para o estado em forma de tributação. Não sobra praticamente nada! Belo negócio hein!

Como já deu para perceber essa é uma fórmula infalível para tirar da jogada as empresas que mais contribuiram para a adoção e popularização da Internet. E que até hoje pagaram a conta.

Um outro detalhe interessante é que o serviço de acesso em banda larga através do xDSL das operadoras só pode ser “comercializado” pelo provedor para o assinante pessoa física. Para empresas é exclusividade da operadora. Exatamente o mesmo serviço (idêntico, velocidade, qualidade ou falta dela, etc) é vendido a preços diferenciados para indivíduos e empresas (o dobro do preço no caso das empresas, porém com as mesmas restrições aplicadas as pessoas físicas).

E no caso da venda exclusiva da operadora para as empresas não há a obrigatoriedade da figura do provedor. Por que será?

Outro caso interessante é o da licença SCM, criada pela Anatel.

Com o avanço das tecnologias de comunicação sem fio tornou-se viável a construção de redes de dados em alta velocidade com alcance considerável e a baixo custo. É claro que isso não passou desapercebido para os empreendedores brasileiros que logo entederam se tratar de uma oportunidade para oferecer novos serviços de acesso a Internet em banda larga.

Mas essa evolução também causou preocupação nas operadoras (especialmente nas operadoras de telefonia celular). De repente, todo um enorme investimento realizado não seria suficiente para concorrer em termos de velocidade, qualidade e diversidade de acesso com o micro investimento feito por uma pequena empresa para começar a prover acesso a Internet em qualquer lugar sem a necessidade do xDSL.

Um detalhe interessante é que essas tecnologias funcionam utilizando faixas de freqüências do espectro que são utilizadas internacionalmente sem a necessidade de obtenção de licenças especiais e no Brasil não é diferente.

Mas não tardou até que a Anatel determinasse o pagamento de uma taxa no valor de R$ 9.000,00 para qualquer empresa que pretenda utilizar equipamentos nessas faixas de freqüência para as prestação de serviços de acesso a Internet (isso sem falar na burocracia necessária para a obtenção da autorização e no tempo gasto). Até hoje não ficou muito claro para ninguém a razão dessa imposição, principalmente como se chegou a esse valor.

Estas faixas de freqüência continuam sendo utilizadas por qualquer pessoa ou empresa sem a necessidade de licença especial (exatamente como no resto do mundo) desde que serviços não sejam comercializados.

Isso tornou o negócio menos atrativo para empresas de pequeno porte, justamente aquelas que poderiam se beneficiar (e beneficiar o consumidor) com a adoção dessa tecnologia.

O advento do WiMAX, até onde há definição em relação a ele por aqui, não produz qualquer alteração nesse cenário de coisas.

Senão vejamos, durante o ano de 2006 a Anatel por duas vezes tentou levar a leilão as faixas de freqüência para a implantação de duas modalidades do WiMAX. Porém nas duas vezes não conseguiu obter seu intento.

Primeiro atuaram as operadoras contra o desejo da Anatel de não permitir que elas participassem do leilão, como uma forma de diminuir a concentração do mercado e de trazer um maior equilíbrio e concorrência na exploração do serviço. As operadoras conseguiram na justiça o direito de participar do leilão.

Depois foi a vez do próprio governo federal através do MC (Ministério das Comunicações) desautorizar a agência impedindo o leilão. Isso ocorreu por motivos não muito claros até agora.

A justificativa oficial foi a de que no formato em que ocorreria seria prejudicial aos projetos de inclusão digital do governo para ano de 2007. Quais projetos exatamente? O formato encontrado para barrar o leilão foi o de apontar uma possível deficiência no edital.

Como podemos ver, acho que (ainda) não há motivos suficientes para qualquer entusiasmo.

5 comentários:

Ivan Daniel disse...

Excelente tema, Barretto! Estou em viagem por motivo das festas de fim de ano em família e enfrento uma dura batalha pra ter acesso à internet.
Minha longa ausência nos comentários de blogues amigos é decorrência dos péssimos serviços prestados pelos provedores de internet, pagos e "gratuitos", aqui em Macapá. Não existe banda larga no Amapá, e a conexão discada não encontra linha disponível com facilidade. Existe um serviço de internet a rádio, mas não fica muito diferente da discada quando se tem uma boa máquina e se consegue conexão, e ainda cai toda hora.
O que posso dizer, vendo a questão da internet aqui no "meio do mundo", é que a banda larga daria muito entusiasmo sim, mesmo com todos esses problemas.

Yúdice Andrade disse...

Não é um comentário sobre o post, mas um grande abraço para cada um dos membros do projeto Flanar. Que 2007 seja maravilhoso para todos nós.

Carlos Barretto  disse...

Para vc também, Yúdice.
E a todos os leitores deste blog.

Anônimo disse...

Caros blogueiros, aviso no meu blog que o prazo de entrega dos textos das virtudes foi prorrogado até o dia 15 de janeiro, com direito a bônus extra se precisarem. Boas inspirações!!! Feliz 2007.
Lu.

Carlos Barretto  disse...

Pra vc também, Lu. Pô. Os Flaneurs andam mesmo sem muita inspiração neste fim de ano.
:-)